Além da Superfície

Brasil aposta no equilíbrio entre transição e segurança energética

Importância de se combater a pobreza energética

*Por Caio Mello, do Canal Meio

Uma transição energética equilibrada não pode ser um rompimento brusco, mas uma travessia longa, que exige equilíbrio entre o mundo que já existe e o que está sendo construído. Nesse ponto, o Brasil se apresenta nesse cenário como um ator peculiar e potencial protagonista. O país é um dos maiores produtores de petróleo do mundo, mas, ao mesmo tempo, tem uma das matrizes energéticas mais renováveis entre os países em desenvolvimento. Então, o petróleo e o gás continuam tendo um papel relevante para garantir a segurança energética do país e, além de tudo, também financiar o caminho para uma economia com menor emissão de carbono.

Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP), defende que o setor não é obstáculo, mas parte da solução. Segundo ele, a demanda global por petróleo e gás ainda vai persistir por décadas. Estudos de entidades como a Agência Internacional de Energia apontam que, mesmo num cenário de emissões líquidas zero, a produção não será zerada. Em 2050, cerca de 24 milhões de barris ainda estarão sendo consumidos por dia, principalmente em setores onde os combustíveis fósseis não são queimados, como petroquímica e fertilizantes.

“Então, se nós tivermos ainda uma certa persistência no consumo de petróleo e gás, por que não fazer com que parte desse petróleo seja fornecido pelo Brasil?”, comenta ele. “Você terá petróleo, terá gás, mas terá algumas demandas. Primeiro delas é a descarbonização, ou seja, produzir esse petróleo, produzir esse gás com baixo teor de emissões de CO₂. Esse é o desafio tecnológico, mas é isso que nós estamos apresentando no Brasil”, completa.

E o desafio tecnológico está sendo enfrentado com investimento contínuo. Desde 1998, mais de R$ 36 bilhões foram destinados à pesquisa e desenvolvimento, com foco crescente em eficiência energética e fontes alternativas. Em 2023, só os projetos voltados à transição energética somaram R$ 782 milhões, o quádruplo de cinco anos antes.

Empresas como Petrobras, Braskem, SLB, Shell Brasil, Equinor, Repsol Sinopec e BP Energy já atuam com soluções que buscam reduzir a emissão de CO₂. Entre os destaques estão os biocombustíveis de segunda geração, a tecnologia Digital Twin, que permite monitorar operações remotamente com inteligência artificial, e o sistema HISEP, que separa o conteúdo dos poços diretamente no fundo do mar, diminuindo o uso de energia e o risco operacional. Também avança o uso de robôs para tarefas em plataformas, substituindo intervenções humanas em ambientes de alto consumo energético.

Além da inovação, o setor é hoje uma das principais fontes de financiamento do Estado. Só em 2021, ele representou 17% do PIB industrial e sustentou 1,6 milhão de empregos. Nos últimos 15 anos, gerou mais de R$ 3 trilhões em tributos, royalties e participações especiais. Recursos que ajudam a manter políticas públicas em áreas como educação, saúde e combate à desigualdade. Ardenghy lembra que, a cada três barris de petróleo produzidos no país, dois são convertidos em impostos e compensações financeiras.

Vale reforçar que a defesa do setor não ignora a urgência climática, mas reforça a complexidade da transição. No Brasil, o gás natural, por exemplo, tem papel estratégico ao dar suporte à geração de energia solar e eólica, que ainda são intermitentes. Também é considerado uma alternativa importante para a descarbonização da indústria pesada, como a mineração e siderurgia, setores classificados como de difícil abatimento.

Na avaliação do IBP, o conceito de “evolução energética” traduz melhor a realidade brasileira. Em vez de um corte abrupto, a proposta é uma transição gradual, ancorada na diversidade de fontes e no fortalecimento da infraestrutura. Isso exige planejamento, regulação e, principalmente, previsibilidade para atrair investimentos. E envolve reconhecer que a receita gerada pelos combustíveis fósseis, se bem direcionada, pode ser uma alavanca poderosa para o futuro sustentável que o país precisa construir.

A COP30, que acontece em Belém, será uma oportunidade simbólica e concreta para o Brasil apresentar essa visão. Mostrar que é possível ser um grande produtor de petróleo e, ao mesmo tempo, um dos líderes da transição. Como diz Ardenghy, a história do pré-sal mostrou onde a exploração responsável pode levar e agora, o desafio é fazer dessa experiência uma ponte entre o que o Brasil já faz e o que ele pode ensinar ao mundo.

 

 

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