*Por Caio Mello, do Canal Meio.
O SAF, sigla para Sustainable Aviation Fuel, ou combustível sustentável de aviação, se tornou peça central nas estratégias para reduzir a pegada de carbono do setor aéreo. A meta é zerar as emissões líquidas até 2050 e para isso, a estimativa é que o SAF represente até 65% da redução necessária. O principal atrativo do SAF está justamente na sua capacidade de reduzir significativamente as emissões de carbono em comparação ao querosene de aviação fóssil. Além disso, por ser uma mistura ou coprocessado de componentes fósseis e renováveis que atendem às especificações técnicas do JET A e A1, o SAF pode ser integrado à infraestrutura existente sem necessidade de adaptações em aeronaves ou aeroportos.
Apesar da promessa, a produção global é baixa, ainda que venha crescendo. Em 2023, foram 600 milhões de litros. Para 2024, a estimativa foi de quase 2 bilhões. Mesmo com essa alta, o volume ainda representa menos de 1% do total de combustível consumido pela aviação. O crescimento tem sido puxado por políticas públicas. Europa, Estados Unidos e países da Ásia adotaram metas obrigatórias e passaram a subsidiar a produção. No Brasil, o avanço regulatório veio em 2024 com a criação da Lei do Combustível do Futuro, que estabelece cortes progressivos nas emissões de 1% até 2027 e 10% até 2037, para as companhias aéreas.
É um ponto de partida modesto, mas o Brasil tem ativos que poucos países conseguem combinar: matéria-prima abundante, tradição em biocombustíveis e um parque industrial com potencial de adaptação. Algumas empresas nacionais já anunciaram projetos voltados à produção de componentes renováveis que, quando misturados ao querosene fóssil e certificados conforme critérios internacionais, podem resultar em SAF. Há também testes de coprocessamento em refinarias existentes, como o caso da REDUC, que já produziu SAF certificado, sinalizando um caminho possível para ampliar a oferta a partir da infraestrutura instalada.
A maior incerteza ainda é a viabilidade econômica. O custo do SAF varia de três a cinco vezes o do querosene fóssil, o que exige instrumentos de compensação para funcionar em escala. Embora modelos como contratos de longo prazo, prêmios sobre o jet fuel e créditos de carbono já estejam sendo adotados em outros países, o Brasil ainda precisa construir um arcabouço de incentivos e resolver entraves tributários para viabilizar o mercado. Outro desafio envolve o uso de componentes renováveis como soja e etanol de primeira geração para a produção de SAF, que ainda enfrentam restrições em mercados como a União Europeia, especialmente após a revisão da Diretiva de Energias Renováveis.
Nesse contexto, o modelo book and claim (B&C) tem sido discutido como uma estratégia para ampliar o acesso ao SAF em países com grandes dimensões territoriais, como o Brasil. A lógica é permitir que o atributo ambiental do SAF seja negociado separadamente do combustível físico, democratizando o acesso mesmo em locais sem produção de SAF. A proposta ainda está em estudo pelo setor e pelo governo, e não há reconhecimento internacional consolidado.
Hoje, a rota tecnológica mais madura é a Hydroprocessed Esters and Fatty Acids (HEFA), baseada em óleos vegetais e gorduras residuais e utiliza um processo químico de hidrogenação para remover o oxigênio das moléculas e transformá-las em hidrocarbonetos semelhantes ao querosene de aviação fóssil. O resultado é um combustível renovável. Mas a expectativa é de diversificação nos próximos anos, com avanço de rotas como álcool para querosene e e-SAF, feito com hidrogênio verde. Há ainda rotas de coprocessamento que misturam correntes fósseis e renováveis nas refinarias. Segundo a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), ao menos 11 rotas já foram homologadas pela ASTM, sendo que 3 são rotas de coprocessamento e 8 são rotas para produção do componente renovável para mistura com o fóssil.. Nenhuma aeronave, por enquanto, pode voar com esse componente de mistura.
Outro desafio reside na cadeia logística, porque a introdução de um novo componente obriga a rever etapas de armazenamento, blending e distribuição. É provável que haja necessidade de adaptar ou ampliar tanques, ampliar sistemas de controle e criar padrões nacionais de rastreabilidade, dada a necessidade da implementação de sistema de certificação robustos. A regulação terá de equilibrar as exigências ambientais e o pragmatismo operacional.
Com todos esses fatores, nos próximos anos, o Brasil poderá não apenas reduzir suas emissões no setor aéreo, mas também se posicionar como exportador de SBC (Synthetic Blending Content) ou de SAF para mercados internacionais. O sucesso não depende apenas de avanços tecnológicos, mas da construção de um ambiente de negócios estável, com previsibilidade regulatória, tributária e jurídica, e reconhecimento internacional das matérias-primas brasileiras.
Para isso, será essencial alinhar os critérios nacionais com padrões como o CORSIA, da ICAO, que já serve de base para o mercado global de SAF. Estuda-se, inclusive, a harmonização entre o RenovaBio e o CORSIA, com apoio da Embrapa, para aproveitar a estrutura já existente no país. A formação de profissionais especializados em certificação e rastreabilidade também será decisiva, dada a complexidade e a escala que o setor exigirá. Enquanto outras nações aguardam o amadurecimento das novas tecnologias de aviação, o Brasil pode ocupar um espaço estratégico e avançar como protagonista da transição energética no setor aéreo.