Do pré-sal aos data centers: o papel estratégico da IA no futuro da energia

Inovação
Publicado em 8 de dezembro de 2025

A inteligência artificial deixou de ser tendência e já faz parte do setor de energia. Da Exploração & Produção ao Downstream, a tecnologia vem sendo utilizada para acelerar processos, reduzir riscos e criar oportunidades.  

E, no Brasil, ela tem uma forte aliada: a Cláusula de PD&I, estabelecida nos contratos de exploração e produção, determina que as empresas petrolíferas devem realizar investimentos equivalentes a 1% da receita bruta em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I). Nos últimos 27 anos, ela já mobilizou mais de R$34 bilhões em investimentos.  

Nesse cenário, alavancados pelos investimentos crescentes em IA, os data centers – instalações físicas que abrigam servidores, sistemas de armazenamento e equipamentos de rede para processar, armazenar e distribuir dados – despontam como uma tendência, que, no país, tem tudo para ter destaque.  

Para entender como o setor de petróleo, gás e biocombustíveis está se adaptando às soluções de IA e como ela está afetando o mercado de trabalho, o Além da Superfície conversou com Flávio Loução, especialista em tecnologia e inovação no setor de energia. 

1. A cláusula de PD&I é um instrumento importante para fomentar inovação no setor. Como ela tem contribuído para os investimentos em inteligência artificial nas empresas de petróleo e gás? 

No Brasil, os setores que possuem cláusula de investimento obrigatória, naturalmente, têm um volume de investimento maior. Isso é super salutar para o desenvolvimento tecnológico. Somado a isso, você tem também o pioneirismo que é natural no setor de petróleo. Muitas das tecnologias que, depois, são passadas para setor de mineração, elétrico e manufatura começam ou nascem de alguma motivação aliada ao setor de óleo. Então, o setor de óleo e gás é tradicionalmente pioneiro em tecnologia. 

A gente consegue ver uma transição muito norteada pela Cláusula de PD&I, utilizando-a como alavanca estratégica. Você olha para essas cláusulas obrigatórias e tem a dualidade da bênção, que é ter, de fato, aquilo para investir, ou do problema, que é não investir, porque são atreladas penalidades regulatórias. 

2. O setor de petróleo e gás é reconhecido por sua excelência tecnológica, especialmente em exploração em águas profundas eultraprofundas. Como a inteligência artificial está sendo incorporada às operações do setor? 

Historicamente, o setor sempre investiu em automação voltada a equipamentos, mas, nos últimos anos, vemos uma evolução: essas tecnologias passaram a se integrar cada vez mais com inteligência artificial, principalmente na análise de grandes volumes de dados. 

Um caso emblemático é o projeto GOLD (Geological Operations in Long Distance Drilling), vencedor do prêmio ANP em 2023. Desenvolvido pela RepsolSinopec, ele criou um ecossistema integrado em nuvem para desenvolvimento de modelos e análise de dados para perfuração inteligente, análise geológica e avaliação de formação em tempo real, reduzindo falhas e vazamentos. Outro exemplo é o projeto HISEP, da Petrobras, voltado à separação e reinjeção de gás no fundo do mar.  

Além da automação, houve um edital específico para desenvolver um digital twin, permitindo simular o comportamento dos sistemas e antecipar falhas que poderiam gerar perdas milionárias ou impactos ambientais. 

Esses casos mostram como a inteligência artificial já está incorporada às operações. Mais do que uma tendência, ela se tornou estratégica, impulsionada pela cláusula de PD&I, que funciona como uma alavanca para inovação. No setor de óleo e gás, qualquer erro significa prejuízos elevados. Por isso, tecnologias que aumentam a capacidade de prever comportamentos e falhas agregam enorme valor. 

 3. Com a popularização da IA, quais impactos você prevê no mercado de trabalho do setor de petróleo e gás? 

Eu vejo um temor muito grande. E a verdade é que, se a sua tarefa é apenas copiar informação de um lugar e colar no outro, sim, ela pode ser substituída. Se a sua função é totalmente manual, de transcrever, copiar e transferir dados, a tecnologia já faz isso. Mas ainda existe um componente humano muito relevante: o criativo, o tátil, o da conexão e da empatia, a capacidade inventiva. 

Há estudos que falam em um possível colapso da IA no futuro. Se ela é treinada com dados humanos e, cada vez mais, os novos dados passam a ser gerados pela própria IA, o que ela aprenderá? Já existe uma preocupação ética com isso. Há estudos mostrando que, se a IA se retreina somente com dados gerados por ela mesma, ela vai “emburrecendo”. Então, eu acredito que ela não vai substituir um consultor com 40 anos de experiência em exploração.   

4. Há risco de substituição de funções ou surgimento de novas especializações?

Talvez tenha alguma configuração de competências, um profissional que precisa se qualificar em como extrair o melhor dessas ferramentas, como extrair o melhor desse copiloto para fazer o seu trabalho de forma mais segura. Quando você entende e se dispõe a usar a tecnologia, o mundo se torna menos apocalíptico. 

Não vai substituir o geólogo, mas vai exigir um profissional que entenda de dados, geologia e geociências. Não vai substituir o engenheiro de manutenção, mas vai exigir alguém que saiba usar a ferramenta para analisar um volume maior de ativos e ter uma consciência operacional ampliada. É uma questão de adaptação e capacitação.  

A IA generativa traz também desafios éticos, especialmente no uso de informações sintéticas. Vemos hoje um movimento global de governança e regulamentação do uso de IA, ainda em construção. Então, de fato, também teremos que ter um especialista em legal e ética. Neste caso, estamos falando de um cargo específico.   

5. As projeções indicam que grande parte da tecnologia necessária para viabilizar a transição energética ainda será desenvolvida. Qual o papel da inteligência artificial nesse processo? Ela pode acelerar ou dificultar essa transição? 

A IA, como tecnologia, terá um papel muito importante para ajudar a planejar melhor os investimentos e fazer uma transição energética, uma nova economia baseada em recursos energéticos cada vez mais distribuídos. Além de permitir essa simulação, ela ajuda a integrar diferentes elementos do sistema – como data centers, geração renovável etc. -, garantindo maior eficiência.   

Do ponto de vista tecnológico, a IA permite avançar na utilização mais eficiente dos recursos energéticos disponíveis no Brasil. Ao mesmo tempo, ela própria se torna um recurso energético: algo capaz de atrair atenção, investimentos e que vai ser um recurso que vai consumir parte dessa energia hoje.  

6. A inteligência artificial tem sido apontada como um fator de pressão sobre a demanda global por energia, especialmente por conta dos data centers. Embora o foco geralmente esteja em empresas como Google eAmazon, como você vê esse impacto no setor de petróleo e gás? As empresas estão se preparando para lidar com esse aumento de demanda e suas implicações ambientais? 

O Brasil tem vantagens competitivas para atrair data centers, como abundância de energia renovável, baixo custo, estabilidade geológica e disponibilidade hídrica para resfriamento. Hoje, enfrentamos um problema de curtailment: temos energia solar e eólica disponível, mas nem sempre conseguimos utilizá-la por falta de demanda ou infraestrutura. A IA pode ajudar a equilibrar esse ecossistema, direcionando o consumo para momentos de maior geração e evitando desperdícios. 

Por outro lado, os próprios data centers aumentam a demanda por energia, mas isso pode se tornar uma oportunidade para o Brasil, transformando um desafio global em vantagem competitiva. Além de atrair investimentos, essa infraestrutura pode elevar o nível tecnológico do país e impulsionar novos modelos de negócio.