Por Caio Mello, do Meio.
Em termos de contradições, o Brasil continua campeão. Milhões de famílias no país vivem em estado de pobreza energética, ou seja, sem acesso confiável à eletricidade. Ao mesmo tempo, o país é um dos maiores produtores de petróleo do mundo e tem uma das matrizes elétricas mais renováveis. Por isso, conciliar essas realidades que coexistem virou o centro da discussão sobre transição energética justa. O problema é que o debate tem sido dominado por extremos, como se fosse um “Fla-Flu” e quase sempre se descola da realidade.
De um lado, pressões internacionais para descarbonizar rapidamente a economia. De outro, alertas sobre os impactos sociais e econômicos de abandonar os combustíveis fósseis sem planejamento ou de forma abrupta. No Brasil, onde o setor de óleo e gás representa apenas 2% das emissões do país (Escopos 1 e 2) e sustenta parte relevante da arrecadação e da inovação tecnológica, a transição precisa ser discutida com mais responsabilidade.
É nesse contexto que o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) defende o conceito da “evolução energética”. Em vez de ruptura, o foco é garantir segurança do suprimento, justiça social e inovação. O petróleo ainda terá papel relevante por décadas, mesmo nos cenários de neutralidade de emissões, e o país pode usar seus recursos de forma estratégica durante a transição, para garantir que ela seja eficaz e justa.
Na prática, isso significa fortalecer as fontes renováveis, ampliar os biocombustíveis e investir em tecnologias de descarbonização, mas sem desorganizar o setor de óleo e gás antes que alternativas estejam consolidadas. Caso contrário, a transição, necessária para o futuro, aprofundaria as desigualdades.
O Instituto defende uma transição energética pautada pelo realismo e o pragmatismo, com metas compatíveis com a realidade nacional, segurança no suprimento e compromisso com a inclusão social. Também considera essencial que o país tenha uma posição clara sobre financiamento climático, acesso à tecnologia e valorização do potencial brasileiro na oferta de soluções para descarbonização.
Essa proposta também parte de uma crítica à desigualdade histórica do debate climático. Países ricos, que já exploraram amplamente combustíveis fósseis, agora impõem metas rígidas aos demais sem garantir os recursos prometidos. O Brasil, com sua matriz elétrica quase 90% renovável, pode liderar esse reposicionamento e tem potencial ambiental e econômico para ser um exemplo no mundo.
Na visão de Roberto Ardenghy, presidente do IBP, a transição energética justa precisa considerar as diferenças entre os países e rejeitar avaliações reducionistas. Ele critica a narrativa polarizada, em que o petróleo aparece como um vilão da crise climática, e argumenta que o uso intensivo do petróleo permitiu enorme progresso econômico e social. Além disso o setor tem papel ativo na própria redução das emissões. Ardenghy defende que, em alguns contextos, o petróleo pode até substituir fontes mais poluentes, como o carvão.
Para ele, a saída de países como os Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump, de acordos climáticos abre espaço para que o Brasil assuma uma liderança global, combinando a oferta de energia tradicional com o avanço em renováveis. Não há, portanto, cenário realista de transição energética sem os hidrocarbonetos, e o setor petroleiro continuará sendo decisivo para o desenvolvimento econômico e a segurança energética. “A transição energética não é uma corrida de 100 metros. É uma maratona”, lembra o presidente do IBP.