Está em discussão no país a introdução de um novo biocombustível destinado a motores de ciclo diesel. É o chamado diesel verde ou diesel renovável, cuja composição é semelhante ao óleo diesel de petróleo, porém oriundo de matérias primas renováveis.
Já utilizado em países da Europa e nos Estados Unidos, o diesel verde faz parte da segunda geração de biocombustíveis. O produto é resultado de aprimoramentos tecnológicos necessários para acompanhar as novas tecnologias veiculares, que requerem um combustível de melhor qualidade, com alta estabilidade e teores mínimos de contaminantes.
O que é diesel verde ou diesel renovável?
A seguir, o Além da Superfície esclarece as principais dúvidas sobre o diesel verde.
Como é obtido o diesel verde? E o HVO?
Esse biocombustível pode ser produzido a partir do hidrotratamento de óleos vegetais ou gorduras animais, da síntese de moléculas a partir de gás de síntese obtido pela gaseificação de resíduos orgânicos, pela fermentação de cana de açúcar, entre outros processos. Sua composição é semelhante ao diesel derivado do petróleo, por isso pode ser misturado ao diesel mineral em qualquer proporção, até mesmo em substituição integral.
O HVO, sigla em inglês para óleo vegetal hidrotratado (Hydrotreated Vegetable Oil), é um dos tipos de diesel verde e é fruto de investimentos em tecnologia. Trata-se do produto de hidrogenação de óleos vegetais, de gorduras animais, de microorganismos e resíduos, como óleo de cozinha usado. O HVO é o terceiro biocombustível mais usado no mundo e aquele cuja produção mais cresce.
Pelos mesmo processo produtivo, podem também ser fabricados biocombustíveis para aviação (conhecido como BioQAv), a bionafta e o biopropano, o que contribui para redução dos custos de produção de todos estes produtos.
Quais as vantagens do diesel verde?
O diesel verde é quimicamente idêntico àquele que vem do petróleo, porém com conteúdo de origem vegetal ou animal, e tem qualidade superior ao biodiesel de base éster. Hoje, no Brasil, o biodiesel base éster é adicionado ao diesel de petróleo no percentual de 12%.
O diesel verde é isento de contaminantes; possui maior estabilidade, o que garante menos problemas no armazenamento e no uso em motores diesel; minimiza danos aos motores, como entupimento de filtros, bombas e bicos injetores, aumentando a vida útil dos veículos; e possui elevado número de cetano, o que melhora a qualidade da combustão no motor. Além disso, pode ser usado em motores a diesel sem os limites apresentados pelo biodiesel éster e contribui também para a redução entre 50% e 90% das emissões de gases de efeito estufa em relação ao diesel fóssil.
Qual o status para a adoção do diesel verde ou diesel renovável HVO no Brasil?
Em 2020, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) abriu consulta pública (nº 03/2020) para discutir resolução que vai definir as especificações diesel verde. Também no ano passado, em dezembro, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) criou um Grupo de Trabalho com representantes de ministérios e órgãos federais, que terá 120 dias para avaliar a introdução do diesel verde no país.
O que é o coprocessamento?
É uma das alternativas para a produção do diesel verde. Permite processar o diesel fóssil junto com o óleo vegetal ou gordura animal em uma refinaria. O produto fruto dessa mistura é chamado Diesel RX, que representa um diesel de petróleo cujo percentual de diesel renovável na mistura pode ser 5% (Diesel R5), 12% (Diesel R12) ou mesmo superior. O coprocessamento já é utilizado em 15% da produção mundial de HVO e representa uma forma de redução de investimentos, de aceleração da disponibilidade do produto e de redução dos custos logísticos.
Em julho de 2020, a Petrobras concluiu, com sucesso, dos testes em escala industrial para a produção do diesel verde na Refinaria Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, onde foram processados 2 milhões de litros de óleo de soja, por meio do sistema de coprocessamento. As definições regulatórias são necessárias para a atração de investimentos e o desenvolvimento do produto.
Por que o diesel verde é importante para o país?
O óleo diesel é o combustível que move o Brasil. É o produto mais utilizado em transportes de cargas por rodovias e ferrovias, na agricultura e na indústria, e em parte do transporte público, em grandes centros urbanos. O óleo diesel responde por 48% da matriz veicular brasileira (ANP, 2018)[1].
Nos últimos anos, tem crescido no mundo a busca por novas fontes de energia renováveis e com menor número de emissões. O diesel renovável chega para atender esta demanda. Além disso, devido aos limites de utilização do biodiesel de base éster com as novas tecnologias veiculares, o HVO é a forma mais eficaz de viabilizar o aumento do uso de biocombustíveis para o ciclo diesel.
Referência no mundo pelo uso do etanol, o Brasil adota, desde 2005, o uso compulsório de biodiesel adicionado ao óleo diesel. O percentual obrigatório começou em 2% e deve atingir 15% a partir de 2023.
Qual a diferença entre o diesel verde e o biodiesel base éster?
A Lei 11.097/2005 definiu biodiesel como sendo qualquer combustível “derivado de biomassa renovável”, que possa substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil para uso em motores do ciclo diesel. O conceito de biodiesel não diz respeito ao seu processo produtivo, mas sim à sua matéria prima, e todos os tipos de diesel verde são considerados biodiesel.
O biodiesel base éster e o diesel verde podem usar a mesma matéria-prima para obter o combustível, a diferença é o processo de produção e a qualidade do produto final.
O diesel verde reduz a possibilidade de danos ao motor, com impacto positivo na vida útil dos veículos, melhora a qualidade de combustão e apresenta maior estabilidade.
Já o biodiesel base éster é produzido por meio da transesterificação. Neste processo, é feita a mistura de óleos vegetais ou gordura animal com etanol ou metanol na presença de um catalisador que dá origem ao glicerol e a um composto de ésteres com características similares ao diesel. Cerca de 70% do biodiesel produzido no Brasil tem a soja como matéria-prima.
O composto a base de éster pode apresentar variações em suas características e provocar danos em sistemas de bombas e filtragem, além de comprometer os sistemas de controle de emissões dos motores mais modernos, como os de padrão EURO VI.
Entre os principais problemas identificados estão a cristalização a temperaturas mais baixas, comum na região Sul do Brasil; e a higroscopia, que é a absorção de água e consequente perda de qualidade, que aparece mais frequentemente no Norte do país.
O diesel verde irá substituir o biodiesel base éster?
Na Europa e nos Estados Unidos, os dois produtos convivem no mercado há quase dez anos. No Brasil em um primeiro momento, a produção do diesel renovável deverá ser pequena, baseada, principalmente, no coprocessamento em refinarias. Com a regulamentação do mercado e o início do uso do bioquerosene de aviação, é esperado que ocorra a construção de unidades dedicadas para produção dos diversos tipos de diesel verde. A coexistência dos produtos desta forma existirá e a concorrência no mercado entre estes será benéfica para os consumidores, pois a competição levará à melhoria da qualidade dos produtos e à redução de custos.
Como o diesel verde está sendo usado no mundo?
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o diesel verde (HVO) é hoje o terceiro maior biocombustível em volume produzido no mundo. Sua produção cresce a uma taxa mais rápida que a do etanol e do éster. Entre 2011 e 2018, a produção de éster aumentou, a cada ano, 1,7% no mercado europeu; e a de diesel verde, 37,1%. Em 2018, a produção total de combustíveis para motores ciclo diesel nos 28 países-membros do bloco europeu chegou a 6,1 bilhões de litros, sendo 12,6 bilhões de litros de éster e 3,5 bilhões de litros de diesel verde.
O Brasil não tem biorrefinarias. Como vai desenvolver o diesel verde?
Ainda não existem no país biorrefinarias exclusivas para produção do diesel HVO. Mas o coprocessamento já foi testado com sucesso pela Petrobras. A regulamentação para o uso do diesel verde no Brasil – nos termos da Lei 11.097/2005 – é necessária para atrair investimentos e a entrada de novos agentes.
Qual o impacto do diesel verde no desenvolvimento do BioQAv?
O desenvolvimento do mercado de diesel verde traz muitos benefícios. O primeiro tem relação com a aviação. Emitida pela Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO), a diretiva Carbon Offsetting and Reductions Scheme for International Aviation (CORSIA) prevê a redução de emissões de GEE (gases causadores do efeito estufa) para o setor nos próximos anos. Este ano, a diretiva entra em fase piloto; em 2023, a fase voluntária começar a vigorar para 70 países; e, em 2027, para os demais países membros da ICAO, inclusive o Brasil. Para atender a diretiva, o Brasil precisa ampliar a produção de BioQAV, cuja viabilidade em grande escala está atrelada à produção conjunta do diesel verde. Ou seja, os entraves ao desenvolvimento do diesel verde impactam diretamente no desenvolvimento do BioQAV e no atendimento ao CORSIA.