A indústria de óleo e gás respira segurança

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“A energia que nos move é proteger as pessoas, proteger o meio ambiente e ser capaz de entregar uma operação segura”. Com a experiência de 30 anos em cargos de liderança na indústria de óleo e gás, Valdir Pessoa tem certeza de que a segurança é um valor para nosso setor. Gerente Geral de Segurança e Meio Ambiente em Águas Profundas da Shell Brasil, ele conversou conosco sobre o conjunto de ações que as empresas desempenham diariamente para minimizar riscos e tornar as atividades cada vez mais seguras.

Além da Superfície – A segurança operacional é um requisito fundamental para a indústria de óleo e gás, que diariamente produz milhões de barris de petróleo e transporta centenas de milhões de litros de combustíveis, em operações seguras. O que possibilitou a indústria chegar a esse estágio?

Valdir Pessoa – Segurança é um conjunto de atitudes, barreiras e processos que evitam que acidentes aconteçam. Nossa jornada começou há muitos anos. A indústria do petróleo tem mais de cem anos e nós aprendemos com os acidentes. Ninguém quer ter um acidente para aprender com ele, mas infelizmente eles ocorreram. O mais importante é entender os perigos e os riscos associados a eles. Os perigos nunca deixarão de existir,  nosso trabalho é evitar que aconteça, colocando barreiras físicas, que são as tubulações, a inspeção de equipamentos, e toda sorte de treinamentos das pessoas, para que elas conheçam os procedimentos e saibam avaliar os riscos.

Quais são os maiores riscos durante as operações?

Os nossos maiores riscos estão associados à segurança de processo. Mas nós temos muitas barreiras para que acidentes não aconteçam. Temos detectores de fogo, de gás, equipamentos automáticos de parada da planta caso alguns eventos ocorram. Temos a lógica de controle de segurança com redundâncias, com uma série de fatores que fazem com que a gente acredite que esses sistemas são suficientes e capazes de controlar acidentes de perda de contenção primária.

E na questão da segurança das pessoas?

Do lado da segurança das pessoas, temos os riscos intrínsecos à atividade offshore e onshore com hidrocarbonetos. Há espaço confinado para fazer limpeza de equipamentos e precisamos ter a garantia que as pessoas vão ter oxigênio suficiente para respirar lá dentro. Essas pessoas precisam estar treinadas, serem resgatadas imediatamente em caso de acidentes e terem todo tipo de assistência durante o tempo que estiverem lá dentro.

Outra questão importante é o trabalho em altura. Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) precisam ser usados corretamente até a execução do trabalho. O Sistema de Permissão para Trabalho é nosso grande aliado, ele é a última barreira capaz de levar a segurança para aquela tarefa determinada. Antes de qualquer trabalho ser executado, ele tem que ter sido analisado. Vou dar um exemplo: mal comparando, é como se você estivesse na sua casa. Sua esposa ou seu marido pede para você trocar a lâmpada da cozinha e aí você prepara um estudo detalhado de como vai trocar aquela lâmpada. Vai usar a escada? A escada tem que ser de um tipo específico? Eu estou com a lâmpada correta? Eu desliguei o disjuntor? E aí voltando para a indústria, depois que você identifica os riscos daquela tarefa, você tem uma discussão com os funcionários e essa discussão é fundamental porque é o momento em que as pessoas que vão executar a tarefa, que podem ser as grandes vítimas desses acidentes, têm toda a liberdade de, não apenas avaliar os riscos que estão ali declarados naquela Permissão para Trabalho, mas de intervir e dizer o que não está descrito.

Porque, muitas vezes, essa Permissão para Trabalho é emitida em circunstâncias que não são as mesmas encontradas no local onde efetivamente vai ser executada a tarefa. Voltando para a lâmpada na cozinha, agora eu cheguei lá e estava faltando um degrau, o chão está molhado, o disjuntor não está desligado corretamente porque tem corrente pelo neutro, eu constato que as coisas que tinham sido contempladas naquela Permissão para Trabalho ainda precisam de barreiras adicionais. Aí entra o Diálogo de Segurança, que precede a execução da tarefa, é efetuado no local minutos antes da tarefa começar. Então, uma tarefa nunca começa no momento em que vai realmente ser executada, ela é planejada antecipadamente, todas as situações que a gente pode imaginar são contempladas.

Você deu o exemplo da questão da residência e a gente sabe que a cultura de segurança na indústria de óleo e gás é muito forte. Os profissionais vivem isso da hora que acordam, no transporte, nas atividades, até o momento em que voltam para suas famílias.

Cultura é aquilo que a gente faz quando ninguém está olhando, a cultura que está enraizada em nós mesmos. Vou contar um exemplo que apareceu em nosso Safety Day recentemente. Uma de nossas colegas levou o filho para andar de skate aonde havia mais 10 coleguinhas. Ele era o único de capacete e o menino perguntou para a mãe se podia tirar porque estava muito calor. Ela disse que não. Aí, chegou um novo coleguinha, e também estava de capacete. O filho da nossa colega perguntou imediatamente para ele: “A sua mãe também é da Shell?” A gente vive, respira essa questão da segurança. E isso a gente respira do momento que a gente sai de casa até o momento que pisa na plataforma e executa as nossas tarefas. Para nós, líderes da organização, é mais importante ainda, porque o exemplo vem de cima. Quando o líder negligencia algum processo, algum equipamento de proteção individual, ele transmite a impressão de que aquilo não é necessário. E isso para nós é muito importante: fazer o que a gente chama de “Walk the talk”, a gente reza e a gente realmente vive conforme o que a gente reza. A indústria de óleo e gás respira segurança.

Segurança é realmente um valor, não é mesmo?

É um valor para nós. Todos nós somos o ente querido de alguém e ninguém quer perder ou quer fazer com que uma família perca um ente querido.

Todos os incidentes são investigados com o intuito de aprender suas causas e evitar sua repetição. Nós temos um conceito, que chamamos de Serious injury and fatality frequency, que é alinhado ao nosso processo de investigação de acidente. Incidentes com baixo potencial são acompanhados e sofrem uma investigação maior sob o ponto de vista acumulativo, se aquilo começa a acontecer com uma frequência grande, pode piorar. A gente investiga a fundo aqueles acidentes que têm o potencial muito grande de causar uma mudança radical na vida da pessoa ou causar uma fatalidade. Então, a gente vai fundo nesses acidentes. Os eventos com baixo potencial também são investigados mas o foco são os de maior potencial.

A indústria de óleo e gás é super tecnológica. Até que ponto a tecnologia hoje é fundamental para minimizar as chances de ocorrências, principalmente nas atividades mais complexas, como as de águas profundas?

Na realidade, hoje você tem sistemas de proteção do ser humano cada vez mais importantes. Se você quer realmente eliminar um risco, você tem que remover aquele perigo. Hoje, estamos marchando para a utilização cada vez maior de robôs e de drones para inspeções, evitando mergulhos, evitando atividades que são notoriamente de risco e que cada vez mais nós estamos substituindo por equipamentos altamente sofisticados, com menos exposição do ser humano ao risco. Nós estamos desenvolvendo tecnologias na área dos utilizáveis, ou seja, braceletes que são capazes de medir a pressão, a temperatura, que têm acelerômetros, que são capazes de dizer se você caiu no chão e mandar um sinal para a sala de controle, mostrando que aconteceu alguma coisa com a pessoa. Nós estamos avançando bastante. No nosso último Safety Day um dos nossos vídeos era sobre o monitoramento de fadiga dos motoristas de caminhão. É possível ler a retina, o que não é ficção científica, nós já temos isso há anos em funcionamento, o equipamento lê a pupila do seu motorista e caso haja uma desatenção, é sinalizado na nossa central de jornada e imediatamente alguém entra em contato e é tomada alguma providência.

Todos os funcionários são encorajados a parar de executar a tarefa, e têm a garantia de que não serão prejudicados porque pararam, se não se sentiram bem para fazer aquela tarefa. Por exemplo, eu não consegui dormir a noite inteira, é perfeitamente razoável eu me dirigir ao meu supervisor e dizer: “olha, eu não vou poder executar essa tarefa que exige uma atenção brutal, porque eu não dormi de noite.” Isso é perfeitamente encorajado, muitas vezes até premiado, você reconhece aquela pessoa com o que a gente chama de “goal zero hero”, menciona durante os Diálogos de Segurança e faz questão que as pessoas sejam livres para intervirem, livres para falarem quando identificam uma situação de risco que não tinha sido identificada e são livres para poderem se expressar e se resguardarem cada vez mais do acidente. Existem grandes acidentes que aconteceram por medo, todo mundo estava vendo que havia uma situação insegura, mas ninguém falou. Na investigação futura, você vê que todo mundo sabia que aquilo poderia acontecer. Temos exemplos e mais exemplos disso, mas é uma das coisas que mais nos deixa seguros de que a coisa certa a fazer é dar às pessoas segurança psicológica para que elas sejam capazes de se expressar e cada vez mais isso vem sendo exercido no âmbito das nossas operações. É uma das barreiras importantes que nós temos.

Até que ponto essa expertise da indústria, da segurança ser realmente um requisito e um valor, pode auxiliar nas operações offshore em áreas sensíveis?

A única coisa que eu posso dizer é que o nosso sistema de segurança offshore é um sistema que serve para qualquer lugar, se ele é bom para um lugar, ele é bom para todos. O nosso sistema de segurança não tem relação com a inserção da nossa operação numa determinada área, ele visa preservar a vida e preservar o meio ambiente. A energia que nos move é realmente proteger as pessoas, proteger o meio ambiente e ser capaz de entregar uma operação segura. Produzindo um barril ou um milhão de barris é a mesma coisa.