As grandes empresas de óleo e gás têm um papel fundamental no processo de amadurecimento do mercado em relação à agenda ESG e têm potencial de educar e incentivar toda cadeia de suprimentos do setor. Essa foi a conclusão do primeiro Compliance Talks, promovido pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), com o tema “O papel do Compliance nos processos de ESG”, que foi realizado em 13 de setembro, no Rio de Janeiro. Representantes dos setores público e privado se reuniram para discutir as melhores práticas e o que precisa avançar em relação ao tema.
“O Compliance hoje é muito mais do que um mero combate à corrupção e aos maus feitos nas empresas e no setor público. Envolve também uma questão cultural e de comportamento. Essa é uma agenda que foi evoluindo ao longo dos anos e, cada vez mais, as empresas são chamadas a se manifestar e a se posicionar. Quando a gente pensa na agenda ESG, que é tão importante para o dia a dia da sociedade, nós, representantes de empresas, temos a obrigação de sermos agentes transformadores”, declarou Roberto Ardenghy, presidente do IBP, na abertura do evento.
Lisandro Gaertner, Gerente de Comissões e Gestão do Conhecimento do IBP, afirmou que a indústria de óleo e gás sempre teve uma atuação pioneira em diversas agendas e agora tem um papel fundamental na disseminação do conhecimento dos temas que compõem o ESG. Para Gaertner a indústria exerce um protagonismo e assume a responsabilidade de gerar boas práticas que garantam que a atuação dos fornecedores do setor respeite os Direitos Humanos, apoie as comunidades locais e promova a diversidade e inclusão em todos os níveis das organizações.
“O compartilhamento de conhecimento contribui para a construção de uma reputação sólida e relações positivas com todas as partes interessadas da nossa cadeia produtiva. A integração das ações de Compliance na agenda ESG não é apenas uma escolha responsável, mas também uma necessidade imperativa para que possamos contribuir para um futuro mais seguro, humano e próspero para todos. A audiência aqui presente mostra que existe um compromisso com um setor de óleo e gás ainda mais responsável e sustentável”, ressaltou.
O IBP criou, em 2017, uma Comissão de Compliance, composta por representantes de 22 empresas do setor, para discutir as práticas utilizadas pela indústria de óleo e gás e promover uma cultura de integridade. Atualmente, na coordenação está a Petrobras e, na vice-coordenação, a SBM Offshore. Como resultado das ações da comissão, foi lançado em 2018, na Rio Oil&Gas, o Pacto de Integridade da Indústria de Petróleo e Gás, em que 14 empresas associadas ao IBP se comprometeram com uma conduta de alto padrão de integridade na condução de suas atividades.
A comissão também lançou durante o mesmo evento o Guia de Boas Práticas em Integridade Corporativa para o Setor de Óleo e Gás, uma publicação composta por itens que fazem parte do mundo do Compliance e que teve sua revisão em 2022, incluindo temas como Direitos Humanos, Diversidade, Equidade e Inclusão, além de Proteção de Dados. “Esse é um documento vivo, que precisa constantemente de revisão, porque ele acompanha os movimentos da sociedade”, completou Bruno Von Monfort, coordenador de Compliance da Petrobras e da Comissão de Compliance do IBP.
Como estão os fornecedores da indústria quando o tema é Compliance?
Monfort também apresentou, em primeira mão durante o evento, os resultados de uma pesquisa realizada, em parceria com o polo Sebrae Offshore, com os fornecedores da indústria. Os objetivos foram identificar o perfil dessas empresas e entender as principais dificuldades delas na implementação de um sistema de Compliance. A pesquisa foi realizada entre maio e julho desse ano com 30 pequenas e microempresas. Um dado que chamou a atenção da comissão foi que a grande maioria dessas empresas não possui uma área de Compliance ou algum funcionário que atue no tema.
“O tema não faz parte do dia a dia dos negócios das pequenas e microempresas, há um certo desinteresse, um baixo conhecimento sobre esses aspectos, e existe a necessidade de nós atuarmos na disseminação de uma cultura de Integridade. Nós temos esse papel. A nossa missão é desenvolver ações para mudar esse quadro e tornar os fornecedores mais engajados”, afirmou Monfort.
Mario Spinelli, diretor de Governança e Conformidade da Petrobras, disse que Compliance e ESG vêm ganhando cada vez mais espaço e se transformando de discurso em atividades efetivas no setor empresarial. Ele informou que a Petrobras está avaliando seu cadastro de fornecedores e vai inserir nas exigências ações relacionadas a ESG. “Nós vamos começar a exigir de nossos fornecedores políticas de prevenção e combate aos assédios, questões relacionadas a Direitos Humanos, a não discriminação, políticas de Equidade, Diversidade, e, por fim, a questão de Governança, que também é fundamental”, completou Spinelli.
Lucas Krause, Gerente de Governança e Articulação Externa da Prefeitura do Rio de Janeiro, participou do painel “Interseções regulatórias entre Compliance e as estratégias ESG”, mediado por Isabela Melo, Legal da NTS Brasil, e afirmou que a empresa que pensa em ESG apenas como uma ferramenta de marketing está ultrapassada. Além disso, não vai conseguir alcançar seu público-alvo e pode perder sua capacidade de captação de recursos com os investidores e, consequentemente, ter um impacto na sua performance no mercado.
“A sociedade quer consumir produtos e marcas associados a seus ideais de Responsabilidade Ambiental, Social e boas práticas de Governança. Ao mesmo tempo, quase como um círculo que se retroalimenta, do outro lado dos stakeholders estão os investidores. Se a sociedade está demandando das empresas tais ações, os investidores também vão buscar, para aportar seu capital, um mínimo de estabilidade e coerência com as melhores práticas da sociedade. É importante a gente reconhecer que as estratégias de ESG estão diretamente relacionadas à performance”, explicou.
Krause disse ainda que mesmo as micro e pequenas empresas, que não têm recursos para investir nesses temas, podem dar os primeiros passos usando, por exemplo, o Pacto Global da ONU e outros instrumentos disponíveis gratuita e publicamente. “Com simples iniciativas, o pequeno empreendedor já consegue caminhar para uma efetiva implementação de um Compliance, de estratégias ESG”.
Direitos Humanos no centro do debate
Outro painel do evento tratou do tema ‘Direitos Humanos’. Os dois participantes convidados para debater o assunto concordaram que o maior desafio para as empresas está na cadeia de fornecimento. Edno Costa, Compliance Lead da Petrobras, disse que a companhia até consegue ter alguma influência sobre os fornecedores diretos, a partir das exigências feitas nos processos de contratação, mas muitas empresas, segundo ele, subcontratam fornecedores para prestar determinado serviço, dificultando o controle de processos.
“Quando a gente analisa os principais casos que repercutem na mídia, por exemplo os que falam sobre trabalho análogo à escravidão, há, na maioria deles, a questão da subcontratação. Não há mais espaço para cegueira deliberada na questão dos Direitos Humanos, mas a cadeia de suprimentos se torna um grande desafio e conhecer nossa cadeia de suprimentos é um desafio ainda maior”.
Juliana Azevedo, Compliance Counsel da TechninFMC, concorda que, no setor de óleo e gás, o maior risco está na cadeia de fornecimento. “Grandes empresas já têm políticas voltadas para os Direitos Humanos, mas a gente vê gaps na cadeia de suprimentos, nos pequenos e médios. Aí que a gente precisa usar o nosso conhecimento, que ainda está sendo construído para educar toda essa cadeia de valor”.
Patrícia Gonçalves, Coordenadora de Prevenção, Ouvidoria e Transparência da Agência Brasileira de Exportação (ApexBrasil,) também acredita que o exemplo traz engajamento e entende que a agência tem um papel fundamental na promoção do tema ESG para seus clientes e parceiros. “A Apex, como é fiscalizada e precisa de uma entrega racional da sua gestão e sua governança, precisa demonstrar que nos seus relacionamentos existe uma coerência. Eu não posso exigir que a agência tenha uma perspectiva ESG e não cobrar isso de todos os meus relacionamentos. O mercado exige uma certa adequabilidade e coerência, diferente do setor público”.
Para Daniel Jezini, auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), nas organizações públicas o tema ainda está incipiente e sofre resistência principalmente por causa do custo elevado. “Quando a gente fala para as organizações públicas que a operação precisa ser sustentável, significa que elas serão operações mais caras, porque sustentabilidade custa caro”. No entanto, acredita que o ESG veio para ficar e todas as organizações vão ter que se adequar a essa agenda. “É caro, mas é um caminho sem volta. Quem ainda está na resistência vai se render. É caro, mas a gente vai ter que pagar”, concluiu.