O transporte marítimo é responsável por 80% do comércio internacional de mercadorias sendo uma das formas mais eficientes de transporte de carga por longas distâncias, sobretudo grandes volumes como commodities. Apesar dessa eficiência, o setor é considerado hard-to-abate — ou seja, de difícil descarbonização — devido à forte dependência de combustíveis fósseis e à longa vida útil das embarcações, que podem operar por até 30 anos. Essa renovação lenta das frotas representa um obstáculo à rápida adoção de tecnologias de baixa emissão. Nesse contexto, soluções que viabilizem a descarbonização do setor marítimo são essenciais para atender aos compromissos da agenda climática global.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (da sigla em inglês IEA), o transporte marítimo internacional representa aproximadamente 2% das emissões globais de CO2 relacionadas à energia. Para alinhar o setor marítimo com as metas do Acordo de Paris, a Organização Marítima Internacional (IMO) desenvolveu um plano estratégico de redução de emissões de GEE que visa, até 2030, reduzir a intensidade de carbono no transporte marítimo em 40% e garantir que ao menos 5% da energia utilizada provenha de tecnologias, combustíveis e/ou fontes de energia com emissões zero ou próximas a zero.
A descarbonização do setor marítimo está baseada em várias frentes, incluindo a melhoria da eficiência energética, a otimização das rotas de transporte e, especialmente, a adoção de combustíveis de baixa emissão, que se tornaram fundamentais para a transição energética no setor. Diversas opções de combustíveis estão sendo consideradas, como o biodiesel e o HVO, o metanol, o gás natural e o biometano, a amônia e o hidrogênio de baixo carbono. Conheça essas alternativas:
O biodiesel é um biocombustível produzido a partir da transesterificação de óleos vegetais e gorduras animais, tradicionalmente utilizado misturado ao diesel rodoviário. Já o diesel verde (HVO) é um combustível produzido a partir do hidrotratamento de óleos vegetais e devido a suas características similares ao combustível de origem fóssil e compatibilidade com motores de ignição convencionais (trata-se de um combustível drop-in), apresenta potencial para servir também como um substituto viável para o diesel marítimo.
Atualmente o diesel verde e o biodiesel já são utilizados para a descarbonização do combustível marítimo pois apresentam propriedades como densidade energética e poder calorífico semelhantes aos combustíveis marítimos convencionais, podendo ser misturados em proporções adequadas para utilização em motores existentes com pouco ou nenhum ajuste.
O Gás Natural Liquefeito (GNL) como combustível para navios está se consolidando rapidamente como uma solução inovadora para a transição energética do setor marítimo. O GNL apresenta uma intensidade de carbono significativamente menor em comparação com os combustíveis marítimos tradicionais, além de ser isento de enxofre e reduzir as emissões de material particulado. Em 2024, a indústria marítima já havia encomendado mais de 500 navios movidos a GNL, evidenciando o potencial desse combustível no curto prazo. Essa expansão da frota de embarcações adaptadas para o GNL também cria oportunidades para o uso de biometano e bio-GNL, combustíveis sustentáveis gerados pela purificação do biogás, que é produzido a partir da decomposição de resíduos orgânicos, incluindo aqueles provenientes da agricultura, da indústria e de áreas urbanas.
O metanol é um tipo de álcool, com diversas aplicações industriais, sendo utilizado tradicionalmente na fabricação de produtos químicos, e que também pode ser utilizado como combustível alternativo. Apesar de necessitar de motores desenvolvidos especificamente para o seu uso, o metanol tem ganhado relevância como combustível para o transporte marítimo por emitir menos gases de efeito estufa e poluentes em comparação aos combustíveis convencionais. Além disso, o metanol pode ser produzido de forma renovável, a partir de biomassa, sendo nomeado biometanol, ou por processos de captura e conversão de CO₂ utilizando hidrogênio verde, chamado de e-metanol.
A amônia também é um combustível alternativo que está sendo avaliado como uma opção para a descarbonização do setor marítimo, principalmente por não liberar dióxido de carbono (CO₂) em sua queima. Embora o composto seja tradicionalmente usado como fertilizante e produto químico industrial, sua capacidade de ser produzido de maneira “verde” (usando energia renovável para sintetizar hidrogênio, que depois é convertido em amônia) o torna uma alternativa interessante para reduzir as emissões deste setor. No entanto, o seu uso ainda enfrenta desafios significativos, especialmente relacionados à segurança das operações e ao estágio inicial de desenvolvimento das tecnologias de motores movidos a amônia.
Todas essas alternativas demonstram que não existe uma única rota tecnológica para a descarbonização do setor marítimo, o mercado está aberto ao desenvolvimento de soluções que, para além da redução de emissões, garantam a sustentabilidade, segurança e eficiência energética para a navegação. Neste sentido, o Brasil possui potencialidades que podem ser aproveitadas para torná-lo pioneiro na produção e aplicação de combustíveis sustentáveis e tecnologias inovadoras no setor marítimo, em especial relacionadas ao uso de biocombustíveis. O país se destaca como o 2° maior produtor de biocombustíveis no mundo e produziu em 2023, 7,5 bilhões de litros de biodiesel.
Um marco recente que reforça o compromisso do Brasil com a agenda climática e as metas de descarbonização da Organização Marítima Internacional (IMO), foi a autorização inédita da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) para a Petrobras comercializar óleo combustível marítimo (bunker) com 24% de biodiesel, o que alcançou uma redução de 19% nas emissões de gases de efeito estufa.
Entretanto, o país ainda precisa avançar na criação de um arcabouço regulatório que ofereça a segurança jurídica e previsibilidade para investimentos em projetos de descarbonização do setor marítimo. Embora não exista uma iniciativa legislativa sobre combustíveis marítimos sustentáveis no Congresso, a recente aprovação da Lei do Combustível do Futuro (Lei nº 14.993/24) — que estabeleceu diretrizes para o desenvolvimento de combustíveis sustentáveis na aviação — indica que o Brasil está caminhando para ampliar o uso de biocombustíveis e combustíveis renováveis em sua matriz energética. É provável que, em breve, a navegação também seja contemplada com diretrizes específicas para sua descarbonização.