“Esta é a maior transformação do downstream no Brasil em décadas”

Especiais
ATUALIZADO EM novembro 2020

Se o setor de energia está em mudança no mudo, o segmento de downstream no Brasil passa pela maior transformação já vista nos últimos tempos. Os desafios deste segmento no cenário de transição energética e desinvestimentos da Petrobras na área de refino são um dos eixos temáticos da Rio Oil & Gas 2020. Nesta entrevista ao Além da Superfície, Felipe Starling, diretor de Relações Institucionais da Ipiranga e chair do comitê técnico de downstream desta edição da Rio Oil & Gas, conta como esta agenda estará na pauta do evento. “A entrada de novos agentes no elo do refino vai impor alterações em toda a cadeia, dando mais dinamismo ao mercado e, em paralelo, exigindo algumas adequações para a manutenção do abastecimento nacional”, afirma.

Starling defende aperfeiçoamentos no modelo vigente para o biodiesel, que a comercialização de biocombustíveis caminhe na direção do livre mercado e a regulação do diesel verde, “mais eficiente e tão limpo quanto o biodiesel”. “Se o diesel verde não for considerado a via alternativa entre biocombustíveis, estaremos nos distanciando mais de mercados desenvolvidos, como Europa e Estados Unidos”, argumenta. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

A transição energética e os desinvestimentos da Petrobras na área de refino estão provocando uma reinvenção do downstream no Brasil.  De que forma este novo cenário e novos desafios estarão presentes e sendo tratados na Rio Oil & Gas?
Sendo o nosso setor um mercado-chave para a economia nacional, e que, neste momento, está passando por transformações importantes, podemos esperar muitos debates interessantes na Rio Oil & Gas.

Esta é a maior transformação do downstream no Brasil em décadas. A entrada de novos agentes no elo do refino vai impor alterações em toda a cadeia, dando mais dinamismo ao mercado e, em paralelo, exigindo algumas adequações para a manutenção do abastecimento nacional. Alguns temas já estão na agenda regulatória e precisam ser amadurecidos, como o acesso a infraestrutura por terceiros, estoques mínimos e estratégicos, fim dos leilões de biodiesel atualmente organizados pela Petrobras, regras de homologações de contratos pela ANP, gargalos logísticos e o Renovabio.

Os painéis da Rio Oil & Gas destinados ao downstream certamente irão abordar estes e outros temas fundamentais nesta agenda de mudanças do setor. A Ipiranga, representada por nosso CEO Marcelo Araujo e outros líderes, estará presente em debates importantes, como o novo de downstream, maior abertura do mercado de biocombustíveis e inovação. Outros temas-chave, como reforma tributária, infraestrutura e combate ao mercado irregular também estarão na programação do evento e são destaques para nós. O downstream, portanto, estará muito bem representado nas discussões da ROG.

O que o Brasil pode aprender com a experiência de outros países neste segmento? E quais os maiores desafios aqui neste novo cenário?
O primeiro ponto, na nossa visão, é aprender sobre a organização de um mercado com maior liberdade entre os agentes e menor custo regulatório, de forma que as regras sejam mais claras, eficientes e isonômicas, elevando a competitividade e levando benefícios à sociedade e ao consumidor. Essa é nossa visão para o crescimento do setor, com transições claras, sem distorções e segurança jurídica no downstream. A abertura do refino é, certamente, uma movimentação nesse sentido.

A transição energética é outro tema prioritário. Nesse sentido, sempre fomos bem representados por termos uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta e pelo case de sucesso dos biocombustíveis no país. No entanto, experiências internacionais já mostram que estamos atrasados em alguns pontos. O primeiro deles é o modelo de comercialização de biocombustíveis que deve caminhar na direção do livre mercado. Outro ponto importante é a regulação do diesel verde, mais eficiente e tão limpo quanto o biodiesel. O hidrotratamento é uma das tecnologias que mais cresce internacionalmente. Se o diesel verde não for considerado a via alternativa entre biocombustíveis, estaremos nos distanciando mais de mercados desenvolvidos, como Europa e Estados Unidos.

Os biocombustíveis são ainda mais estratégicos para nós por conta da grande dependência pelo modal rodoviário no Brasil. É outro ponto que, na visão da Ipiranga, precisa ser trabalhado: investimento em infraestrutura para driblarmos nossos gargalos logísticos.

A viabilidade de qualquer solução no Brasil passará por diversas variáveis, como infraestrutura, custos tecnológicos e logísticos, além de uma regulamentação pertinente que considere fatores de produção, distribuição, uso final e tributação.

Uma revolução também está em curso nos biocombustíveis. quais os desafios e perspectivas nessa área?
No caso do biodiesel, o atual modelo precisa ser revisto e melhorado. Isto porque estamos diante de um cenário em que a Petrobras deixará de refinar grande parte do diesel mineral comercializado no país e de crescimento de novas alternativas tecnológicas, como o diesel verde. Há espaço para se repensar o formato dos leilões e o calendário de avanço da mistura obrigatória, por exemplo, entre outros aspectos tributários, de regulação e legislação. É preciso dar mais liberdade aos agentes da cadeia de valor, na negociação do produto e em linha com o modelo já adotado pelo regulador para os demais combustíveis, baseado na livre concorrência e competição (inclusive com produtos importados).

Existem grandes potencialidades para o crescimento dos biocombustíveis e especialmente do diesel verde (HVO) na matriz de transporte do país, suprindo uma parcela importante da demanda do diesel fóssil; e uma sinergia no refino deste com o bioQAV, fundamental no atendimento a padrões e acordos internacionais. Projeções da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) mostram que temos muito espaço para crescer, como demanda e necessidade da nossa sociedade.

No etanol, também há questões importantes a serem debatidas. A revisão do modelo de cotas de importação do etanol, que garante diferenciais tributários para determinados agentes, é fundamental para a isonomia e concorrência saudável. Há também a regulação sobre compras e estoques de etanol anidro, que atualmente impõe custos desnecessários à cadeia e precisa ser revista.

Por fim, o Renovabio, apesar de ser um programa de sucesso e fundamental para a nossa transição energética, também necessita de pequenos ajustes que lhe dê estabilidade no longo prazo.

Mesmo diante de tantas mudanças, o setor ainda convive com percalços antigos, como alta tributação, sonegação e adulteração.
O mercado de combustíveis no Brasil movimenta um volume aproximado de 125 bilhões de litros, faturando cerca de R$ 450 bilhões e recolhendo aproximadamente R$ 150 bilhões em tributos, dos quais R$ 92 bilhões referentes ao ICMS. Sendo uma atividade econômica concorrencial, a configuração das cadeias de combustíveis deve proporcionar a maior competividade possível, de forma a se buscar máximo bem estar econômico, decorrente de eficiência produtiva e de alocação de recursos.

Para que essa configuração possa ser executada, no entanto, precisamos de um modelo tributário menos complexo, mais eficiente e que gere menos distorções. A alta tributação, combinada com baixas margens brutas da distribuição, logística e revenda, faz com que o setor seja atrativo para a prática de sonegação, inadimplência contumaz, vendas sem documento fiscal, simulação de operações fictícias e adulteração.

Segundo levantamento realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2019 o setor atingiu R$ 7,2 bilhões em sonegação e inadimplência. Essa prática causa prejuízos irreparáveis ao país, prejudicando todo o setor, levando o empresário idôneo à falência, desestimulando grandes investimentos, e reduzindo receitas dos governos, que poderiam utilizar desta verba para reforçar áreas da saúde, educação e segurança pública.

É preciso que os agentes públicos, empresários e o consumidor ajudem a combater e a denunciar o comércio irregular e a adulteração de combustíveis. Importante ressaltar que a prática de atividades irregulares no mercado traz reflexos ainda maiores neste período de pandemia, dada a queda de volume e receita em vários elos da cadeia, associada à restrição de mobilidade e ao direcionamento de recursos para o combate ao coronavírus. Nota-se que alguns órgãos reduziram ou até mesmo interromperam suas atividades de fiscalização durante meses, o que pode ter propiciado o aumento dessas irregularidades.

Saiba mais sobre a Rio Oil & Gas 2020:
RIO OIL & GAS DISCUTE FUTURO DA ENERGIA EM UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO
COMPETITIVIDADE E RESILIÊNCIA: ELEMENTOS CENTRAIS PARA OS PROJETOS OFFSHORE
“TRANSIÇÃO ENERGÉTICA É UMA AGENDA DE TODOS”
RIO OIL & GAS DISCUTE OS DESAFIOS DO NOVO MERCADO DE GÁS NATURAL

Conteúdos mais acessados