A saúde mental virou uma questão estratégica para empresas brasileiras. Em 2024, segundo dados oficiais do Ministério da Previdência Social, o país registrou mais de 470 mil afastamentos de trabalho por motivos de transtornos mentais, o que representa um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Além disso, o Panorama da Saúde Mental no Mercado de Trabalho Brasileiro, da Gupy, aponta que 81% dos profissionais da Geração Z já deixaram um emprego por motivos de saúde mental e 24% de pessoas em cargos de liderança consideram pedir demissão por estresse.
Neste sentido, a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que estabelece diretrizes gerais para segurança e saúde no trabalho, traz uma mudança histórica: a obrigatoriedade de avaliar riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). As mudanças, que entram em vigor em 2026, ampliam a proteção à saúde mental dos trabalhadores, demandando uma abordagem integrada entre setores como RH, segurança e saúde.
A NR-1 passou por uma revisão nos últimos anos. Em 2022, o antigo Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) deu lugar ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), um modelo dinâmico baseado no ciclo PDCA (Planejar, Executar, Verificar, Agir). Agora, além dos riscos físicos, químicos e biológicos, as empresas devem mapear e gerenciar riscos de acidentes, ergonômicos e psicossociais — como estresse, assédio moral e sobrecarga de trabalho.
“Na primeira versão, o risco psicossocial ficava meio que escondido no risco ergonômico. Essa nova escritura foi exatamente para isso: ganhar evidência e mostrar que o risco psicossocial precisa ser avaliado na sua totalidade”, explica Fabrício Netto, Gerente Médico da BRMED.
Na prática, isso significa que a empresa vai precisar avaliar seus riscos psicossociais assim como faz uma avaliação ambiental ou de risco de ruído. A exigência não define uma metodologia específica, mas obriga que as companhias adotem práticas cientificamente comprovadas.
Embora o prazo tenha sido prorrogado para 2026, muitas empresas ainda não iniciaram a adaptação, mas, segundo Fabrício, cada setor tem a sua particularidade.
“Como tudo no Brasil, as empresas deixam muito para cima da hora, mas depende muito do segmento também. Quando a gente olha para o ramo do petróleo, do offshore, são empresas mais estruturadas. Consequentemente, com departamento médico próprio. E aí, elas conseguem se preparar com mais antecedência, ainda mais porque o próprio setor exige um cuidado maior com seus colaboradores do ponto de vista do risco psicossocial”, explica.
Para o especialista, o maior desafio das empresas diante das novas exigências ainda está por vir. Ele explica que, embora muitas organizações já adotem práticas positivas, ainda falta reconhecê-las e sistematizá-las.
“Quando a gente entra a fundo na operação das empresas, vê que, na grande maioria das vezes, elas já têm diversos fatores que são protetores. Só que ela (a empresa) não consegue enxergar aquilo ainda como um fator positivo. E o pior: ela não consegue ter evidências daquilo, porque, quando a gente fala em lei, precisa evidenciar o que a está fazendo. Então, eu acho que hoje o maior desafio vai ser organizar tudo o que a empresa faz, da maneira que faz, para poder ter aquilo ali como um demonstrativo de um fator positivo”, avalia.
O papel estratégico do RH
Especialistas apontam que a segurança psicossocial dentro do trabalho é multidisciplinar e multifatorial. Nesse sentido, o RH pode despontar como agente de transformação para construir uma cultura organizacional saudável.
Priscilla Luzes, Senior HR BP da Chevron, destaca alguns potenciais da área, como o papel de propulsor da cultura organizacional – implementando políticas, normas e diretrizes que visam à promoção do bem-estar dos colaboradores, indo além da legislação e da prevenção – e a saúde mental “by design”, com a incorporação das práticas de saúde mental às práticas do RH.
Para a executiva, a saúde deve ser encarada com um olhar mais integrativo dentro da organização, indo além da ausência de doenças, e a segurança psicológica precisa ser reconhecida como alavanca para a alta performance.
“A gente tem um estigma muito grande de que ambientes com alta segurança psicológica são de zona de conforto, de apatia. E a gente precisa desmistificar isso, porque vários estudos já comprovam que a segurança psicológica é um fator indicativo de alto desempenho, de alta performance. Então, se a usarmos como potência, vamos alavancar nosso negócio”, defende.