Risco de apagão de talentos desafia expansão do setor de petróleo, gás e energia

Cenário Brasileiro
Publicado em 22 de outubro de 2024

O mercado brasileiro de petróleo, gás e energia vive um momento de intensa expansão, com projeções promissoras. O setor atualmente gera cerca de 1,6 milhão de empregos diretos e indiretos, e apenas o segmento de Exploração & Produção prevê investimentos de US$ 173 bilhões entre 2024 e 2033, sustentando quase 400 mil postos de trabalho por ano. No entanto, em meio a esse cenário de crescimento e oportunidades, surge um desafio crítico: o risco de um apagão de mão de obra.

Esse fenômeno é alavancado pela resistência dos jovens talentos de entrar no mercado de petróleo e gás, o que está levando as empresas a capacitarem profissionais mais experientes para assumirem novas funções e, em alguns casos, a trazerem profissionais aposentados de volta para o mercado de trabalho.

O fenômeno da escassez de mão de obra no setor de petróleo, gás e energia não é necessariamente uma novidade e está relacionado ao seu comportamento cíclico, que pode ser comparado com o da natureza.

“Eu comparo um pouco com a vida de um urso hibernando. A gente tem aquele período que tem uma baixa da atividade, como se fosse para a caverna. Para tentar sobreviver a essa baixa do mercado, inclusive, a gente exporta talentos, demite pessoas, reagrupa ou revê as posições que tem. Quando a gente vê que o mercado começa a florescer, começa a retornar. É como se fosse o preparo para a primavera, e a gente sai da caverna pra tentar ver o que está lá fora”, explica Nara Padilha, gerente de Recursos Humanos da SLB no Brasil.

Uma das consequências desse ciclo é a disputa acirrada entre as empresas pelos talentos disponíveis no mercado “pós-hibernação”, acarretando profissionais trocando de empresas e salários mais inflacionados, por exemplo. Nesse contexto, a educação surge como uma alternativa para reter e valorizar esses colaboradores.

“Eu vejo um crescimento maior em programas tanto na porta de entrada quanto na formação continuada, porque a gente sabe que isso é um problema, e o profissional se sente valorizado quando a empresa investe nele”, afirma Karen Cubas, gerente da Universidade do Setor de Petróleo e Gás (UnIBP).

Criada em 2028, UnIBP, a Universidade Corporativa do IBP, já observa 60% de sua receita proveniente de cursos InCompany, formato B2B em que a empresa contrata um curso sob medida. Para Karen, essa maior demanda por um modelo mais personalizado ocorre porque as companhias estão pensando no profissional de uma forma mais holística, refletindo sobre suas competências e as necessidades do negócio.

Na avaliação da executiva, o mercado está aquecido tanto para novos entrantes quanto para especialistas, ainda mais com o avanço das renováveis, um setor em expansão e que, no Brasil, ainda não conta com uma base sólida de profissionais sêniores. Esse cenário impulsiona a valorização de competências da indústria de óleo e gás, especialmente aquelas voltadas para inovação, tecnologia, análise de dados e inteligência artificial.

Ela ainda chama atenção para o perfil que a indústria deseja para lidar com esse “apagão”. Para ela, esse fenômeno também tem a ver com falta de diversidade. “Qual é o perfil que a indústria está querendo trazer para dentro para dizer que existe um apagão? A gente precisa ampliar também essa porta de entrada, porque talvez, ao fazer isso, a gente tenha pessoas com interesse. Quantas mulheres não gostariam de trabalhar numa plataforma, mas nem vislumbram a possibilidade?”.

O papel das universidades e a resistência dos jovens

Mesmo com as soluções desenvolvidas pelas empresas, a “porta de entrada” não está sendo suprida. Nesse sentido, dois elementos importantes surgem na equação: os jovens e as universidades.

Com passagem pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), Alfredo Renault, CEO do Centro de Soluções Tecnológicas de Baixo Carbono da Coppe/UFRJ, ressalta que há fatores conjunturais, estruturais e, principalmente, setoriais que impactam na forma como as novas gerações enxergam o setor de petróleo.

“O setor de petróleo é visto como uma contradição com a visão de mundo dos jovens. E essa resistência não leva em conta o papel que ele (o setor) tem na construção da transição energética e da diminuição das emissões”, explica Renault.

O modelo de expectativa em relação ao conhecimento mudou, e as universidades estão aquém da demanda da juventude. Fatores como o empreendedorismo e a chamada “uberização do trabalho” – modelo de trabalho caracterizado pela flexibilidade extrema, em que trabalhadores se tornam autônomos ou freelancers conectados a plataformas digitais que mediam a oferta e demanda de serviços – exemplificam a mudança de perspectiva em relação às gerações e às mudanças que têm que ocorrer nas universidades. Isso explica uma parte do que está acontecendo, mas, para o acadêmico, o cerne do apagão vai além.

“Do meu ponto de vista, a essência do apagão está muito mais vinculada a todas as transformações que a sociedade está passando e à expectativa da juventude em relação à sua relação com o trabalho. E levando isso a uma lista de desejos. Ali a gente pode perceber que o setor petróleo fica meio longe nessa lista”, explica.

Para o acadêmico, no entanto, o problema do setor em relação aos jovens está mais na atração do que necessariamente na retenção, apesar de haver movimentações entre as empresas. E a indústria precisa se comunicar melhor. “Eu acho que o jovem olha essa indústria como a indústria do século passado. E não sabe que as coisas mais importantes robóticas que estão sendo feitas no Brasil têm a ver com a indústria do petróleo”.

Sobrevivência do setor

Segundo Nara, as empresas estão despertando para a necessidade de transformação, não só por uma questão de atratividade, mas também de sobrevivência da marca e da indústria como um todo. No entanto, em relação à escassez de mão de obra, as soluções precisam ser coordenadas.

“As empresas podem fazer aquilo que elas precisam naquele exato momento, mas precisa ser uma ação combinada entre a indústria como um todo, com o governo e com as universidades. Não é só uma questão de “o mercado precisa e o mercado faz acontecer”. Ele pode impulsionar, mas a gente depende de iniciativas que estejam aí trabalhando de uma maneira conjunta”, defende.