A transição para uma matriz energética de baixo carbono passa por alternativas que reduzam significativamente as emissões de gases de efeito estufa (GEE), e os biocombustíveis emergem como uma das soluções mais promissoras nesse cenário. Com uma combustão mais limpa e a capacidade de emitir até 80% menos GEE em comparação às fontes fósseis, os biocombustíveis são uma peça-chave na descarbonização do setor de transporte.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), a demanda mundial por biocombustíveis líquidos tende a crescer nos próximos anos, podendo atingir 906 mil metros cúbicos diários até 2030, no cenário mais otimista. No entanto, apesar de seu potencial, o caminho para que os biocombustíveis se tornem uma opção amplamente competitiva e acessível ainda enfrenta desafios significativos, exigindo esforços contínuos em inovação e desenvolvimento tecnológico.
São combustíveis derivados de matérias-primas orgânicas, geralmente plantas ou produtos agrícolas, que podem ser usados para abastecer veículos, máquinas e usinas de energia, substituindo, de forma parcial ou total, combustíveis de origem fóssil.
Os biocombustíveis líquidos são os mais amplamente utilizados no Brasil, e representam uma categoria de combustíveis derivados de fontes vegetais ou animais que permanecem no estado líquido em condições normais de temperatura e pressão. São exemplares dessa configuração o etanol, o biodiesel éster, o Diesel Verde e o Sustainable Aviation Fuel (SAF).
Tanto o Diesel Verde como o SAF são combustíveis “drop-in”, ou seja, são quimicamente análogos aos seus respectivos fósseis, diesel e querosene de aviação, podendo ser incorporados diretamente em sistemas de abastecimento existentes, sem a necessidade de adaptações.
Os chamados “e-fuels” ou combustíveis sintéticos não são classificados como biocombustíveis, pois não utilizam matérias-primas orgânicas em sua produção. No entanto, são considerados combustíveis renováveis. Eles são obtidos por meio de processos de síntese química, que utilizam dióxido de carbono (CO₂) capturado da atmosfera e hidrogênio obtido por eletrólise da água com energia elétrica proveniente de fontes renováveis. Embora os combustíveis sintéticos ofereçam consideráveis benefícios ambientais, como a redução das emissões de gases de efeito estufa e a compatibilidade com as infraestruturas existentes, seu desenvolvimento ainda está em estágio emergente. A produção em larga escala enfrenta desafios substanciais, especialmente em relação aos altos custos e à eficiência energética dos processos envolvidos.
O Brasil é o 2º maior produtor mundial de biocombustíveis, responsável por 72.337 m³/d (21,9%), atrás apenas dos Estados Unidos, com uma produção de 127.821 m³/d (38,8%).
Com uma longa tradição na implementação de políticas públicas e de articulação com o setor privado para impulsionar o desenvolvimento dos biocombustíveis, o país tem um perfil de produção concentrado em etanol (anidro e hidratado) e biodiesel, com aproximadamente 360 e 59 unidades produtoras, respetivamente. Em 2023, os dois insumos responderam por 22,5% da demanda de energia no setor de transporte.
As políticas públicas de incentivo à produção e uso de biocombustíveis no Brasil podem ser segmentadas em três eixos: mandato compulsório, RenovaBio e alíquotas tributárias diferenciadas entre os combustíveis fósseis e os biocombustíveis que competem nos postos de abastecimento.
O mandato compulsório tem o objetivo de incentivar o aumento da participação dos biocombustíveis na matriz de transporte desde o século XX. A mistura de etanol anidro à gasolina A tem sido realizada desde o século passado, evoluindo ao longo do tempo e, desde 2015, estipulada em 27%. Já no caso do diesel, a adição obrigatória e gradual de biodiesel éster ao óleo diesel A começou em 2008. Desde então, os mandatos de mistura foram aumentando de 2% para os atuais 14%.
Instituído a partir da lei nº 13.576 de 2017, o RenovaBio tem como objetivo expandir a produção de biocombustíveis, alinhando-se com os compromissos de redução de emissões de GEE assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris.
O programa utiliza como principal ferramenta a definição de metas anuais de redução das emissões de carbono para o setor de combustíveis. Isso tem o propósito de estimular a produção e a utilização de biocombustíveis no panorama de transportes do país.
Já a diferenciação de alíquota tributária entre os biocombustíveis e os combustíveis fósseis confere um diferencial competitivo tributário entre os produtos que competem diretamente nos postos de abastecimento.
Em tramitação no congresso, o Projeto de Lei “Combustível do Futuro”, PL 528/20, tem o objetivo de avançar na agenda de descarbonização do setor de transporte no país, integrando ferramentas de política pública já existentes e instituindo novas ferramentas para o setor de transporte.
Entre os seus pilares estão a criação do Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação; a regulamentação dos combustíveis sintéticos; a instituição do Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV); o RenovaBio, o MOVER e o PBE Veicular; e a possibilidade de elevação do limite máximo de adição de etanol à gasolina de 27% para 35%, desde que estabelecido pelo poder Executivo.