Por Isabella Costa, Juliana Barretto e William Vitto*
A comemoração do Dia Mundial da Energia, em 29 de maio, representa uma oportunidade valiosa para ponderar o papel crucial que a energia desempenha para a humanidade. Neste dia, entidades, governos e a comunidade em geral se unem no esforço de sensibilizar a população acerca da importância de adotar alternativas mais sustentáveis para a geração de energia. O objetivo é assegurar um futuro sem maiores riscos para as próximas gerações.
A energia, em suas diversas formas e fontes, é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico, social e tecnológico na sociedade moderna, sendo essencial para a manutenção de infraestruturas, indústrias e o bem-estar humano. A ausência de acesso a serviços energéticos adequados pode acarretar desafios ou exacerbar entraves já existentes para impulsionar o desenvolvimento, como pobreza, moradias inadequadas e restrições ao acesso à educação, saúde e emprego. Esta realidade tem um impacto direto e substancial na qualidade de vida das pessoas.
Um indicativo da importância da energia é, por exemplo, a correlação direta entre o consumo de energia elétrica per capita e a renda nacional per capita. De acordo com as estatísticas divulgadas pelo Fórum Econômico Mundial em 2019, nenhum país com indicadores financeiros robustos apresenta uma demanda média anual inferior a 4.00KWh por pessoa.
Com o progresso tecnológico, a gama de produtos que necessitam de energia está em constante expansão. Simultaneamente, o aumento da prosperidade leva as populações a consumirem mais produtos industrializados. Esses bens requerem energia tanto em sua produção quanto em seu uso. Portanto, juntamente com o desenvolvimento, deve-se considerar a crescente necessidade de geração de energia e sua disponibilidade.
Entretanto, com o aprofundamento das mudanças climáticas, os países passaram a ter que desenhar estratégias para avançar em seus planos de crescimento ao mesmo tempo em que contribuíam com a mitigação de suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Isso torna a transição energética, que envolve a mudança de fontes de energia não renováveis para renováveis, um ponto crucial a ser considerado, através da difusão de fontes de energia de baixo carbono e outras medidas para viabilizar a descarbonização das matrizes energéticas dos países (ver gráfico 1).
Como se observa no gráfico 1, os combustíveis fósseis foram responsáveis por, aproximadamente, 80% da matriz de energia primária em 2021¹. Dentro desse percentual, o petróleo representou cerca de 30%, seguido pelo carvão (27,2%) e o gás natural. Por outro lado, as fontes de energia de baixo carbono como solar, eólica e geotérmica, por exemplo, juntas correspondem a apenas 2,7%. Somando à participação da energia hidráulica e da biomassa, as renováveis totalizam aproximadamente 15%. Dessa forma, o gráfico 1 ilustra as dimensões do desafio que implica a descarbonização da matriz energética global.
De acordo com as projeções do cenário Net Zero (NZE) da Agência Internacional de Energia (IEA) de 2023, que delineia um caminho para o setor de energia global alcançar emissões líquidas zero de CO2 até 2050, a descarbonização dos sistemas de energia se apoia em oito pilares principais: mudanças comportamentais, eficiência energética, hidrogênio, eletrificação, bioenergia, energia eólica e solar, CCUS (captura, utilização e armazenamento de carbono) e a substituição de fontes fósseis por alternativas mais sustentáveis.
Contudo, segundo a agência internacional, 35% da redução de emissões de GEE associadas ao setor energia que são necessárias até 2050 vem de tecnologias que ainda se encontram em estágios iniciais de desenvolvimento e ainda não atingiram escala comercial. A mesma entidade adverte que as soluções tecnológicas para avançar na descarbonização das indústrias de energia não estarão disponíveis na escala necessária para atingir as metas de redução de emissões até 2050, caso não haja investimentos em PD&I.
Dessa forma, a implementação de uma transição energética ordenada é fundamental para garantir a segurança no abastecimento sem comprometer as oportunidades de um desenvolvimento sustentável.
Nesta data importante para as indústrias de energia, o Brasil é um destaque devido à sua posição privilegiada ao possuir uma matriz energética diversificada (ver gráfico 2).
Como se observa no gráfico 2, cerca de 40% da oferta interna de energia é fornecida por fontes de baixo carbono, principalmente, a partir do uso de derivados de cana-de-açúcar (15%), energia hidráulica (12,5%), energias eólica e solar (3,5%), entre outras.
Adicionalmente, o país apresenta condições favoráveis para o aumento da capacidade de geração de energia a partir das fontes solar, eólica e biomassa, em decorrência da disponibilidade desses recursos em diversas regiões do país (ver quadro 1).
Tal como se observa no quadro 1, no Brasil ainda existe um elevado potencial de expansão da geração de eletricidade a partir das fontes renováveis. No caso da energia eólica, segundo estimações do EPE (2018), existe um potencial de geração superior a 440 GW em áreas onshore, e de mais de 1.780 GW em áreas offshore. No caso da energia solar fotovoltaica, o potencial de geração de eletricidade em áreas onshore e como geração distribuída residencial de 506 TWh/ano e 287 TWh/ano, respetivamente. O potencial de expansão da geração solar em áreas offshore é de 94.706 TWh/ano, enquanto o potencial de geração héliotermica é estimado em 1.020 TWh/ano.
Sob essa perspectiva também, a relevância do setor de óleo e gás não pode ser negligenciada, uma vez que fornece mais de 40% da oferta interna de energia primária no território² marcado por vastas reservas de petróleo, particularmente na camada do pré-sal, e que ocupa a sétima posição no cenário global como um dos maiores produtores de petróleo e gás natural³.
A indústria brasileira de O&G desempenha um papel crucial para o progresso na transição energética de baixo carbono no Brasil. Nesse sentido, o setor contribui para a segurança no abastecimento através do fornecimento de fontes de energia firmes, eficientes e acessíveis para os consumidores.
Assim sendo, o gás natural assume um papel muito importante no setor elétrico, adicionando flexibilidade ao sistema ao servir como fonte de back-up para administrar a variabilidade da geração de energia eólica e solar, duas fontes que vêm experimentando crescente participação no mix energético brasileiro. O gás natural também é uma alternativa importante para contribuir na descarbonização da indústria, operando como uma fonte de energia firme em setores hard-to-abate, tais como a mineração, siderurgia, cimento, entre outras. Adicionalmente, o aproveitamento dos recursos de gás brasileiro desempenha um papel importante nos objetivos de reindustrialização, servindo como insumo para o desenvolvimento de setores como fertilizantes, fundamental para reduzir a vulnerabilidade externa devido à necessidade de importar esse produto para atender a demanda do agronegócio brasileiro.
Por outro lado, as empresas de O&G contribuem para a mitigação das mudanças climáticas através de investimentos em outras fontes de energia de baixo carbono e na adoção de medidas de compensação (offseting) pelas emissões residuais decorrentes das suas operações.
Analisando o perfil das emissões brasileiras, como pode ser visto no quadro 2, observa-se que ele é bastante distinto em relação ao restante do mundo. O setor de agropecuária emerge como o principal contribuidor, diferentemente da maioria dos países onde o setor de energia é o maior emissor. Isso destaca um aspecto estratégico do setor de óleo e gás no Brasil, que pode aproveitar significativas oportunidades no contexto de esforços para a descarbonização.
Ademais, a difusão de fontes renováveis em ambientes offshore é entendida pelas empresas de petróleo como uma oportunidade de negócios que lhes permite fazer grandes contribuições devido às sinergias com as novas fontes renováveis. Essas sinergias estão relacionadas com a capacidade das empresas petrolíferas para gerir projetos de grande porte, alavancar grandes volumes de investimento, a experiência com o desenvolvimento de novas tecnologias, entre outras questões relevantes onde o setor tem a expertise de apoiar para acelerar a difusão dessas fontes de energia.
Entendendo a importância da inovação para alavancar o desenvolvimento das indústrias de energia, desde final da década de 1990, a indústria brasileira de O&G tem honrado seu compromisso de alocar recursos para essa temática através da clausula de Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I). Desde sua inclusão nos contratos de exploração e produção de petróleo e gás natural em 1998, têm sido canalizados recursos da ordem de R$ 30,2 bilhões.
Ao longo dos anos, é possível observar um aumento no portfólio de projetos relacionados à eficiência energética e fontes de energia de baixo teor de carbono. Em 2018, foram realizados 25 projetos relacionados a esses temas, enquanto em 2023 esse número alcançou 91 projetos. Em termos de investimento, os desembolsos para projetos dessas temáticas passaram de R$ 46 milhões para R$ 782 milhões durante o mesmo período. Do total investido em 2023, 35% estão relacionados a biocombustíveis, seguidos de energia eólica (28%), hidrogênio (13%), CCUS (9%), sistemas híbridos (9%), energia solar (6%) e energia dos oceanos (1%) 4.
A celebração do Dia Mundial da Energia traz à luz a importância de adotar uma abordagem equilibrada e sustentável para o uso e produção de energia. A transição para uma matriz energética mais diversificada e de baixo carbono é essencial não apenas para a preservação do meio ambiente, mas também para garantir um desenvolvimento sustentável. Um futuro descarbonizado não significa um futuro sem hidrocarbonetos.
Com o avanço da tecnologia e o aumento da prosperidade que permeiam a sociedade atual, a demanda por energia cresce continuamente. No entanto, devido às mudanças climáticas, os países buscam estratégias para se desenvolverem enquanto reduzem suas emissões de gases de efeito estufa, promovendo a transição de fontes não renováveis para renováveis.
O Brasil, com sua rica matriz de recursos renováveis e sua posição estratégica com o setor de óleo e gás, tem a oportunidade de liderar esse movimento. Ao investir em tecnologias sustentáveis e promover uma transição justa, o país pode assegurar um futuro energético de baixo carbono para as próximas gerações, garantindo ao mesmo tempo a resiliência econômica e a justiça social.
¹ 2022, IEA.
² 2023, EPE.
³ 2024, EIA.
4 2024. ANP.
*Isabella Costa, Juliana Barretto e William Vitto são, respectivamente, Gerente, Estagiária e Especialista na área de Análises Técnicas do Setor de Óleo e Gás no Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).